Prédios altos, arquitetura antiga, um leve ar europeu. Quando o sol se apaga e as luzes acendem, a aristocracia e a burguesia invadem os teatros que estão enfileirados na avenida Corrientes. Mulheres elegantes, botas, cachecóis, bolsas de marcas famosas, ternos de corte europeu e desfile de fragrâncias francesas. O cenário de tanta elegância relembra décadas passadas, em que o glamour dos grandes salões enchia os olhos das cortes. Entre tantos narizes empinados aparecem calças de tecido popular, sapatos desgastados e esportivos e aromas nada refinados. Patrões e empregados se misturam em uma noite regada a ópera e grandes espetáculos. Reduto de ricos? Não. A miscigenação tomou conta da cidade, mas não perdeu nem um dedinho do charme das capitais européias.
A Europa na América do Sul. Essa é Buenos Aires. Cada bairro pertence a um país ou uma cidade diferente. No centro, conhecemos Madrid, Barcelona, Paris, Londres, Roma. Cada esquina traz consigo uma surpresa e uma visão do paraíso. A arquitetura dos antepassados permanece intacta e valorizada na cidade porteña. Muito se fala da superioridade argentina. Passeando na Capital, observa-se claramente o porquê.
18h em ponto. Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino. O sino toca. A menina que corre atrás das pombas, com um saquinho de milho que acabou de comprar entre os dedos, olha agitada em direção à casa cor-de-rosa. À medida que se movimenta, os grãos vão se desprendendo e escorregando de suas mãos. O velhinho que empurra o carrinho cheio de milho pára. A mãe estrangeira que acabava de comprar uma bandeira de plástico da Argentina faz um sinal para o marido e o filho que brincavam de espantar as aves. O povo corre, agitado, em direção à Casa Rosada. O que se enxerga a seguir parece a Inglaterra, mas não é. A troca de guarda da sede do governo argentino atrai a atenção de todos que passam por lá. Vestidos de forma elegante, usam o mesmo uniforme que a guarda inglesa. Os soldados marcham em direção da bandeira argentina, localizada no começo da praça. Um mastro alto suporta o pano celeste e branco. Após retirarem a bandeira, acontece a troca de guarda. Os curiosos se aproximam, e no final, aplaudem. Um show gratuito com que todo turista se maravilha.
Espetáculo é o que não falta na capital argentina. Casas de zinco, madeira, tijolo, verde, rosa, azul, amarela, laranja. Parece desenho animado. A paisagem colorida do Caminito é uma beleza rara. Quem olha entusiasmado para as casas coloridas não imagina que por trás disso a história não é tão pomposa assim. La Boca é um bairro pobre, banhado por um rio poluído e mau cheiroso, chamado Riachuelo. As pessoas não tinham condições de comprar materiais novos para a construção das casas. Como é uma zona portuária, e muitos barcos ficavam ali encalhados, os moradores aproveitavam para roubar restos de materiais para montar as residências. À medida que usavam, tudo ia terminando, e como não encontravam outra coisa igual, apelavam para uma cor ou artefato diferente. Madeira, zinco, plástico, vidro, e inúmeras cores fazem parte da arquitetura das casas do Caminito. Hoje, nem todas são habitadas. Como ficaram famosas e viraram ponto turístico, muitos dos conventillos, como são chamados, tornaram-se ateliers de artistas que expõem trabalhos ali mesmo, no calçadão.
Réplicas, pinturas e esculturas dos casebres são as artes mais vendidas. Os artistas que comercializam obras nas ruas não pertencem a nenhuma empresa ou loja conhecida. São eles mesmos que têm, no comércio de rua, a sua fonte de renda. Por isso, é possível encontrar uma gama de preços impressionante, que não baixa dos 25 pesos, algo como R$17.
Em meio a tanta arte, é claro que não poderia faltar o tango. Dançarinos rodopiam, voam, saltam. Se movimentam realizando um ritual de beleza que não se pode deixar de elogiar. Precisão de movimentos, vestidos elegantes, homens de terno e gravata e muita sensualidade. Cenário da classe alta em um bairro tradicional para os turistas, mas marginalizado pelos locais.
O sol se esconde. A noite se aproxima, e o glamour de Buenos Aires começa a aparecer. Nessas horas, Puerto Madero é o lugar ideal para combinar elegância, beleza e alta gastronomia. O porto, que foi reformulado há apenas alguns anos, virou ponto turístico. Os melhores restaurantes da cidade encontram-se ali. São caros, porém requintados e oferecem pratos saborosos. É difícil escolher em qual jantar. Enquanto não se decide, pode-se passear pelas margens do Rio de la Plata. Graças à iluminação amarelada causada pelas dezenas de luzes espalhadas a cada cem metros, a figura dos prédios de empresas consagradas como Microsoft e a rede de hotéis Hilton ficam espelhadas nas águas do Rio.
Depois do jantar, vem a diversão. Nada melhor do que o Cassino flutuante. No final de Puerto Madero enxergam-se muitas luzes piscantes. Um breve flashback relembra uma rua de Las Vegas. Dois barcos enormes estão adornados de lâmpadas coloridas, prateadas e brilhantes. Dois barcos? Sim. No país vizinho, os cassinos são proibidos. Mas a lei diz respeito à localização em terra. Nada fala sobre proibição nas águas. Os barcos só permanecem abertos simultaneamente quando o movimento é muito grande. Na hora de entrar, mais uma surpresa. Máquinas fotográficas e filmadoras devem ser deixadas em uma espécie de “chapelaria eletrônica”. Tudo muito chique. Eles entregam uma senha com o número do armário, mas avisam que não se responsabilizam pelos bens deixados ali. Muito confortante. Após deixar a câmera num lugar em que não se sabe se vai encontrar depois, as moças devem passar as bolsas através de uma janelinha, onde alguém a coloca em um raio x para certificar-se que não está portando drogas, bebidas e objetos perigosos. Mas a segurança não pára por ai. Após retirar a bolsa da esteira, o turista tem que atravessar um detector de metais, para garantir que nada tenha passado pela fiscalização e a revista. Pronto. Agora sim pode entrar para falir ou se divertir no cassino. O mais interessante é poder ingressar com celular, que aliás quase todos têm câmera.
Lá dentro, a alegria não poderia ser maior. Tliim, tlim, tlim, tlim, tlim, tlim, tlim. As fichas de metal não páram de cair. Quem coloca ansiosa o copo sob o orifício, estampa no rosto um sorriso de ponta a ponta. Não é nenhum adolescente esperto que teve sorte, nem um visitante inexperiente. Uma senhora de cabelos encaracolados, brancos, que já passou dos cinqüenta anos faz tempo, coloca a mão enrugada ao redor do copo, para não deixá-lo cair pela pressão. Com cuidado, desvia o anel solitário de brilhante da borda da máquina, para não correr o risco de riscar a jóia. Figuras iguais a essa são as mais freqüentes na zona dos caça-níqueis.
E os homens, onde estão? No andar de baixo é difícil de entrar. Logo ao chegar na porta se é recepcionado por um cheiro de incenso de nicotina que força a prender a respiração. Se tentar olhar pra frente, parece que a visão está nublada. Uma nuvem de fumaça emerge sobre os milhares de senhores requintados que se enfileiram, um ao lado do outro, para apostar na roleta.
A empolgação pela vitória toma conta da mesa ao lado. Um homem recém havia apostado todas as suas fichas em um número. A bolinha gira, gira, gira e pára. O moço dá um pulo. Ganhou. Observo que tira um bolinho de papel do bolso e oferece ao funcionário do cassino, indicando que quer mais fichas para apostar. As notas eram verdinhas, da terra do tio Sam, e estampavam o número 100. Havia aproximadamente umas cinco notinhas amassadas. Apostou todas. Fechou os olhos. Quando abriu, bateu com a mão na mesa, resmungou e saiu. Perdeu a aposta. Pobre não era, com certeza. Minutos depois estava apostando altas quantias novamente em uma mesa do outro lado do salão.
Até mesmo de madrugada a cidade permanece ativa. No centro, ônibus antigos circulam pelas ruas, que, incrivelmente, estão movimentadas. Passava das duas da manhã, mas lá estavam os argentinos, passeando pelas ruas da cidade sem preocupação.
A Avenida 9 de Julio só não é mais bonita de dia porque durante a noite é fascinante. Luzes amarelas espalhadas pela rua mais larga do mundo dão um tom sépia à paisagem. Carros coloridos, sofisticados, e táxis amarelados passam em meio a tanta beleza. No horizonte, um monumento se destaca. O obelisco, ícone da cidade maravilhosa. Aliás, quem apelidou o Rio de Janeiro com esse nome ainda não tinha visitado Buenos Aires. Só com uma teoria para entender por que tanta injustiça. A capital argentina é bela, requintada, encantadora, européia e se não bastasse, ainda é segura. Casas com grades na janelas, só se for em filme, em uma casa tradicional ou na cadeia. Assaltos existem, mas não são perceptíveis. Uma segurança exaltada pelos turistas, e duvidada pelos porteños. Reclamam de barriga cheia.
Locomoção em Buenos Aires não é nada dramático. Sim, trens, metrôs, ônibus e táxis são antigos, alguns, até caindo aos pedaços. Mas em cada esquina passam, no mínimo, umas três linhas diferentes, que atravessam a cidade, pagando um preço simbólico de setenta centavos para os primeiros e outro valor pequenino nos últimos, dependendo do trajeto que se pretenda fazer. E não importa a hora, sempre há transporte disponível na cidade. Perdido na capital? Não tem como. Todas as ruas paralelas seguem a mesma numeração, e as quadras medem exatamente 100 metros cada uma. É só encontrar a numeração em uma rua paralela à que se deseja e pronto. Siga até o seu destino. Moleza.
Chega o domingo. Descanso é o mais desejado. É só pegar uma cadeira, uma toalha, preparar uns salgados, uma garrafa térmica com água quente e preparar um mate. Parque é o que não falta. Famílias e amigos descansam, comem e se divertem em meio à natureza. Tradição com data e hora marcada.
No verão, quanto menos roupa, melhor. O calor é insuportável. Úmido e pesado. No inverno, roupa de lã, casacos, mantas ou cachecóis, pantufas ou sapatos reforçados, toucas e luvas. Assim como o calor é extremo, o frio também é muito aguçado. Não perde em um grau sequer para a Serra Gaúcha. A única diferença é que lá não neva. Uma pena. Mas nada que um bom vinho argentino não amenize.
Viagem sem compras não é viagem. Ainda mais em se tratando de mulheres. As ruas Santa Fe, Córdoba e Corrientes estão transbordando de tantas lojas. E agradam todos os gostos. Grifes como Christian Dior, Channel, Cacharel, Armani e Calvin Klein, entre outras, lotam as ruas da capital para os gostos e bolsos mais requintados. Os calçadões da calle Florida e da Lavalle agradam gregos e troianos. Mas se as temperaturas não colaborarem, shoppings como as Galerias Pacífico, Alto Palermo Shopping Mall e Passeo Alcorta, localizados nas redondezas do centro, condensam todas as opções em um só lugar.
*Reportagem publicada no livreto/revista UFA!, sobre Jornalismo Literário.